O QUE É UM APOCALIPSE?
Toda a literatura apocalíptica é escatológica.
Em outras palavras, aborda a questão dos "tempos do fim», o término do
mundo segundo o conhecemos, o começo de um novo ciclo, ou, em alguns casos, o estado
eterno. Nem toda a literatura escatológica, porém, é apocalíptica. Pode-se
falar, por exemplo, sobre a "alma» e seu destino, e isso nos levaria a
tratar de certo aspecto do ensinamento escatológico normal, mas, ao mesmo
tempo, nada de distintamente apocalíptico estará sendo envolvido nesse ensino. De
modo bem geral, pode-se afirmar que essa forma literária trata da escatologia,
pois visa dizer-nos as condições que haverá nos últimos tempos, nos tempos
futuros remotos, mas sua apresentação fala daqueles acontecimentos futuros que
terão lugar durante dias angustiosos, em que uma antiga era passará em meio a
tempestades e agonias, iniciando-se uma era inteiramente nova, através das mais
severas dores de parto. Mas isso não é uma característica normal e necessária
dos escritos escatológicos.
O espírito apocalíptico dominava a igreja
primitiva. O fato de que o reino de Deus não se materializou então deu, aos
primeiros discípulos de Cristo, a ardente esperança que a«breve- e mesmo
«iminente- segunda volta de Cristo (a«parousia» dos escritos neotestamentários) haveria de desfazer
o erro de sua «rejeição», cumprindo todas as expectações da humanidade acerca
de uma era melhor. Mas essa era melhor não haverá de iniciar-se senão através da morte agonizante e terrível da
antiga era, e a literatura apocalíptica é, essencialmente, descrição dessa
morte febricitante, com descrições adicionais do glorioso nascimento da nova era
que se seguirá.
A literatura apocalíptica, pois, tem um «propósito presente». Os fiéis necessitam de
força espiritual para passar pelas aflições, desapontamentos e pressões desta
era ímpia em que vivemos. Serão mais capazes disso se puderem antever a
vitória, a qual, finalmente, reverterá os terrores do momento presente. Os
escritos apocalípticos prometem que os adversários de Deus não escaparão ao
juízo por causa daquilo que fizeram, por seus feitos ímpios que praticaram.
Além disso, promete que aquilo contra o que os perversos se têm oposto, o
governo de Deus sobre a terra, eventualmente cumprirá, a despeito deles. Outrossim,
promete que até mesmo muitos daqueles que se têm oposto a isso, através dos
juízos haverão de reconhecer a mão de Deus na história, acolhendo a seu Cristo
como Senhor deles.
TELESCÓPIO DA ERA DA IGREJA
A era da igreja é:
«AS COUSAS... QUE SÃO ..(Que retrata a
época do autor sagrado). Contudo,
trata-se de profecias simbólicas de coisas que «serão». Essas «coisas que são»
foram precedidas pelas - COÍSAS QUE ERAM»,
isto é, aquilo que João «vira», a visão inicial (ver Apo. 1:1-20). Após as cartas
para a era da igreja aparecem as
«COUSAS... QUE
HÃO DE ACONTECER DEPOIS DESTAS», ou
seja, aquilo que deverá transpirar imediatamente antes da segunda vinda de
Cristo. Portanto, temos em
Apo. 1:20 um esboço bem simples do livro: coisas que foram, coisas que
são e coisas que hão de acontecer. No primeiro capítulo
temos o passado; nos capítulos segundo e terceiro temos o presente; nos capítulos
quarto a vigésimo segundo temos o futuro, os últimos dias.
TELESCÕPIO DA ERA DA IGREJA
Éfeso, era
Apostólica
|
Esmirna,
era de perseguições até 316
|
Pérgamo,
era de favor imperial 317- 500
|
Tiatira,
era negra
500-1700
|
Sardes,
tempo da Reforma
1500- 1700
|
Filadélfia,
era das missões modernas
1700- 1900
|
Laodicéia, era da igreja apostata
1900
|
AUTORIA
Duas
posições extremas são tomadas quanto à questão da autoria dos livros Joaninos
(que consistem do evangelho de João, de três epístolas de João e do Apocalipse),
a saber:
1.
Teria havido um único autor desses cinco livros, o qual foi o apóstolo João.
2.
Cada um desses cinco livros teria tido um autor diferente, pelo que nenhuma
conexão real com o apóstolo João pode ser demonstrada entre eles.
A
resposta mais simplista a ambas essas posições extremas consiste da afirmativa
de que o evangelho e as epistolas de João foram escritas por um autor ao passo
que o Apocalipse teria sido de autoria de um outro João, o ancião ou vidente da Ásia Menor, embora
também pertencente à escola joanina. Essa declaração simplista está
sujeita a todas as formas de objeção e disputa; mas é tão boa como qualquer
outra idéia que já tenha sido apresentada. Pelo menos é certo que o evangelho
de João e o livro de Apocalipse não podem ter sido escritos pelo mesmo autor. O
grego do evangelho de João é simples, quase infantil, embora gramaticalmente
correto. Mas o grego do livro de Apocalipse é bárbaro, com muitos desacordos
quanto ao gênero, além de erros verbais. Foi escrito por algum judeu que tinha
o grego como sua segunda língua, o qual não se interessava especialmente pelos casos
gregos, pela concordância em gênero, etc. Pensava ele em hebraico, e algumas de
suas declarações só podem ser compreendidas quando é reconstituído um «hebraico
tentatívo» (ou aramaico). Contudo, a despeito de todos os abusos feitos contra
o idioma grego, ele se sentia à vontade em seu manuseio. Sem dúvida falava o
grego e, o usava em seus contactos diários. De fato. produziu ele o maior dos
«apocalipses», e isso não foi realização pequena para quem usou um «segundo
idioma». Podemos supor que, se ele tivesse escrito sua obra em aramaico, o resultado
literário teria sido ainda maior.
Justino Mártir atribuía o livro de Apocalipse ao apóstolo,
João. Esse ponto de vista veio a ser largamente aceito na igreja, - em alguns
lugares, entretanto, essa posição era ardorosamente combatida, e até mesmo
rejeitada. O próprio livro não afirma ser de autoria de João, o «apôstolo»: e
poderíamos supor corretamente que se ele o tivesse realmente escrito, ter-se-ia
identificado como tal. Outrossim, se João, o apóstolo, o escreveu, não há razão
para supormos que não tivesse recebido reconhecimento antigo e universal, conforme
sucedeu no caso das epístolas de Paulo. O fato de que somente nos meados do
século 11 D.C. é que seu autor foi identificado como o apóstolo João, e que
mesmo assim muitos continuavam a rejeitar sua "autoridade, sob qualquer
consideração, especialmente como livro de autoria joanina, mostra-nos que é quase
impossível que o próprio apóstolo João tivesse sido o seu autor.
Se voltarmos para a questão da evidência
interna, - podemos observar que o autor não faz nenhuma tentativa para
identificar-se com os doze apóstolos originais. ' Apesar de que ele se chama
«João» em quatro versículos (ver Apo.l:1,4,9, e 22:8). Nunca deixa entendido
que ele era o «João» do círculo original dos apóstolos. Em parte alguma ele afirma ter sido testemunha
ocular da vida terrena de Jesus. Seu conhecimento de Jesus veio por revelação,
e não através da história. Em Apo. 21:14, ao mencionar que a muralha da cidade
tinha doze alicerces,
inscritos com os nomes dos doze apóstolos originais, não parece identificar-se
com qualquer deles. Em Apo. 18:20 ele fala sobre os «doze» de modo bastante objetivo,
mas novamente sem dar a entender que fosse um deles.
Historicamente, bem se poderia pôr em dúvida que o
apostolo João tenha vivido até o fim do século I D.C. ou começo do segundo século, para que pudesse ter
sido o autor do livro de Apocalipse. Há uma tradição, preservada por meio de
Papias, que situa a morte de João próxima ao tempo da morte de seu irmão,
Tiago, isto é, antes do ano 70 D.C. A passagem de Mar. 10:39 presumivelmente
prediz isso; e notemos que Jesus se referiu a esses dois irmãos. Contudo, há
outras tradições que associam o apóstolo João com a Ásia Menor, referindo-se a
ele como homem idoso. E é possível que se aceitarmos estas últimas
tradições que João tenha vivido até um tempo em que poderia ter escrito o livro
de Apocalipse. Irineu foi quem nos expôs essa tradição. Mas, visto que as tradições
não concordam entre si, nesse ponto, nada de certo pode ser extraído delas
acerca da autoria do livro de Apocalipse. George Hamartolus, bem como um
manuscrito seu (do século IX D.C.) repete essa tradição preservada por Papias,
no sentido que João morreu às mãos dos judeus (decapitado), mais ou menos à
época de seu irmão. Portanto, sem importar.' para que lado nos voltemos,
historicamente falando, não podemos ter certeza de que o apóstolo João realmente
teve tantas décadas de serviço em Éfeso ou não, o que significa Que não sabemos
se ele viveu o tempo suficiente para escrever o livro de Apocalipse, o qual,
mui provavelmente, reflete as perseguições instauradas contra a igreja cristã
nos tempos de Domiciano (falecido em 96 D.C.), ou posteriormente
A maioria dos eruditos acredita, com base em citações
antigas, que certo «João... Foi quem o escreveu. Um individua que Papias chamou
de «João, o ancião.., que viveu em Éfeso, no começo do século 11 D.C., é identificado
por alguns como seu autor. Esse autor João supostamente também teria sido discípulo
do Senhor, e o seu túmulo estaria ao lado do de João, o apóstolo, na Ásia
Menor. Dionisio fez a mesma sugestão, isto é, que «João, o ancião», escreveu o
livro de Apocalipse. Jerônimo também falou sobre o sepulcro desse outro João,
em .&:feso» (ver «De viris», iIlus.9). Vários escritores
antigos pensam que esse «ancião» também foi o autor das epistolas joaninas.
JOÃO, O VIDENTE.
Hã
ainda uma terceira possibilidade, que talvez seja mais viável que aquelas acima
mencionadas, a saber, que um terceiro João está em foco, o qual foi um
«profeta» (vidente), que não foi nem o «ancião» e nem o «apóstolo». No próprio
livro de Apocalipse, esse João não se chama de «ancião.., conforme se vê na
segunda e na terceira epistolas de João; mas não se denomina «apóstolo.., o que
é declarado no evangelho de João, em seu epílogo. Mas mui definidamente toma a
posição e o direito de um profeta, conforme se vê claramente no primeiro
capitulo do livro de Apocalipse. (“Ver também Apo, 22:9, onde se vê que os
profetas do N.T., em sentido especial, são; servos do Senhor», o que é repetido
em Apo. 1:1;
10:7;
11:18 e 22:6). O autor recebeu ordem de «profetizar» (ver Apo. 1:3). E o
Apocalipse é um livro de profecia (ver Apo. 1:3; 10:11 e 22:7,10,18). Mui
provavelmente o autor foi um judeu da Palestina, homem dotado de grande
estatura espiritual e gênio, dotado de pensamentos e de discernimento
profundos. O aramaico era seu idioma natural, e o grego era apenas um idioma
adquirido.
A ESCOLA JOADINA.
Apesar
da gramática do livro de Apocalipse mostrar que o autor sagrado
não pode ser identificado com o autor do evangelho de João, há certas
similaridades, em pensamento e conceito, que podem ser
corretamente tidas como sinais de identificação
do autor com a escola joanina de Éfeso. Consideremos
os pontos seguintes:
1. Há a comparação de
frases similares: João 16:2 com Apo. 2:2; 13:8 com 20:6;
3:8,21 com 22:15 e 7:37 com 22:17.
2. Há a mesma
significação teológica conferida a termos teológicos
como «vida», «morte», «glória», «fome» e «sede».
3. Algumas palavras e frases
são mais freqüentemente usadas pelos dois autores do que em qualquer
outro livro do N.T. Por exemplo «poiéin semeion»,
quatro vezes no Apocalipse e catorze
vezes no evangelho de João, mas apenas quatro vezes em todo
o resto do N. T.; «terein t. entolas.., duas vezes no Apocalipse,
sete vezes no evangelho de João, e cinco vezes na
primeira epistola de João; «deiknumai.., oito vezes
no Apocalipse e sete vezes no evangelho de João; «ebraisti»,
duas vezes no Apocalipse e cinco vezes
no evangelho de João; «marturia»; nove
vezes no Apocalipse, catorze vezes no evangelho de João e seis vezes
na primeira epistola de João, além de uma vez na
segunda epistola de João; «piazein», uma vez no Apocalipse
e oito vezes na primeira epistola de João; «semainein»,
uma vez no Apocalipse e três vezes no evangelho
de João; «philein», duas vezes no Apocalipse e
treze vezes no evangelho de João; «aphazein», oito
vezes no Apocalipse e duas vezes na primeira epistola
de Joio.
4. Há idéias similares.
Exemplos disso são que não haverá templo na Jerusalém celestial
(ver Apo. 21:22); e o templo
deixará de existir como centro de adoração (ver João 4:21). Figura a doutrina
do Cordeiro de Deus em João 1:29,36; Apo. 5:6,8,12,13;
6:1,16; 7:9,10,14,17; 12:11; 13:8; 14:1,4, 10; 15:3;
17:14; 19:7,9; 21:9,14,22,23,27; 22:1,3.
5. O
número «sete» permeia o livro de Apocalipse. Apesar de
não ser isso especificamente declarado no evangelho
de João, há sete «sinais.. neste último, começando
e terminando o mesmo com uma «semana» sagrada. Igualmente, o seu
testemunho acerca de Cristo se desdobra em sete aspectos.
CONCLUSÃO
.
A conclusão que disso tudo se pode
extrair é que esses cinco litros o evangelho, as três epistolas e o Apocalipse
- foram produzidos pela mesma escola, a escola joanina, de Efeso. Consideremos
ainda os três pontos abaixo:
1.
O evangelho de João deve ter sido escrito por um discípulo imediato de João, perpetuou
sua tradição, incluindo suas narrativas e seu testemunho. O evangelho de João é
corretamente chamado «de João", no mesmo sentido em que o evangelho de
Marcos poderia ser chamado de «evangelho de Pedro", porquanto tal
evangelho preservou para nós a tradição apostólica que chegou até nós, com base
nas memórias de Pedro.
.
2. As epístolas joaninas poderiam ter sido escritas por esse mesmo autor. A
primeira epístola de João certamente o foi. Seja como for, outro elemento da
escola joanina esteve envolvido, se não foi o mesmo individuo.
3.
O Apocalipse foi escrito por João, o «vidente", e não pelo «ancião",
ou pelo «apóstolo», embora tivesse sido ele, por igual modo, um membro da
escola joanina.
Referencias: O Novo Testamento
lnterpretado N.R.Champlin.