Minhas conversas e pregações não
foram com palavras sedutoras da sabedoria humana, desprovidas da demonstração
do poder [de Deus] e do Espírito. Que sua fé não repouse na sabedoria dos
homens, mas no poder de Deus.
Paulo de Tarso
De
onde vieram os Sermões Cristãos?
O
mais antigo registro cristão relacionado à pregação de sermões refere-se ao
final do século II. Clemente de Alexandria (150-215) lamentava o fato dos
sermões exercerem pouca influência nos cristãos. Isto sugere uma questão interessante.
Se os cristãos do século I não se destacavam
por seus sermões, de onde os cristãos pós-apostólicos adquiriram o costume de
proferir sermões?
A
resposta é contundente: O sermão cristão foi adotado diretamente da fonte
pagã da cultura grega! Para compreender o nascedouro do sermão, temos que
voltar ao século V a.C. e analisar um grupo de mestres peregrinos chamados
sofistas. Atribui-se aos sofistas a invenção da retórica (a arte de falar
persuasivamente). Eles recrutavam discípulos e exigiam pagamento dos interessados
em ouvir seus discursos. Os sofistas
eram polemistas experientes (a arte de debater). Eles eram mestres no uso de
apelos
emocionais,
aparência física e linguagem, para “vender” seus argumentos Engendrou uma
classe de homens que chegaram a ser mestres na arte de falar, “cultivando o
estilo pelo estilo”. As verdades que eles pregavam eram verdades abstratas e
não verdades que eram postas em prática em suas próprias vidas. Eles eram
peritos em imitar a forma no lugar da substância. Os sofistas se tornaram
conhecidos pelas roupas especiais que usavam. Alguns tinham uma residência fixa
onde proferiam seus sermões regularmente à mesma audiência. Outros viajavam para
proferir seus polidos discursos. Os
sofistas foram os homens mais distintos de seu tempo. Tanto que eles viviam por
conta própria. Outros tiveram estátuas públicas erigidas em sua homenagem. (Isto
não lembra muitos de nossos modernos pregadores?).
Quase
um século mais tarde, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) fez uma
modificação na retórica ao agregar três pontos à mensagem. “O todo”, disse
Aristóteles, “necessita um princípio, um meio e um fim”.Com o tempo, os
oradores gregos implementaram o princípio dos três pontos de Aristóteles em
seus discursos. Os gregos e romanos
antigos viram a retórica como uma das mais elevadas formas de arte.
Conseqüentemente, os oradores do Império Romano foram honrados com o mesmo grau
de encanto com que os estadunidenses homenageiam astros de cinema e atletas profissionais.
Eles foram os astros mais brilhantes de seu tempo.
Os
oradores conseguiam deixar uma multidão frenética simplesmente por sua poderosa
destreza retórica. Os mestres da retórica, a fachada científica daquele tempo,
eram o orgulho de cada cidade importante. Não demorou muito para que os romanos
aprendessem dos gregos e se tornassem adictos do sermão pagão — como ocorre com
muitos cristãos modernos adictos do sermão “cristão”.
A
Chegada de uma Corrente Contaminada
Como
é que o sermão grego foi parar dentro da igreja cristã? Por volta do século
III, foi criado um vácuo quando o ministério mútuo do Corpo de Cristo se
desvaneceu. Durante este tempo, o trabalhador itinerante que falava de uma
forma espontânea deixou as páginas da história da igreja. Para substituí-lo, começou a surgir uma casta
clerical. As reuniões abertas começaram a desaparecer, e as reuniões da igreja
passaram a ser mais e mais litúrgicas.
Durante
o século III, a distinção entre o clero e o leigo se disseminou rapidamente.
Uma estrutura hierárquica começou a arraigar-se, e surgiu a idéia do “especialista
em religião”. Em virtude destas
mudanças, o cristão funcional teve problemas para ajustar-se a esta estrutura eclesiástica
tão diferente do que era antes. Não havia nenhum lugar para exercer seus dons. Pelo
século IV, a igreja tornou-se completamente institucionalizada e o funcionamento
do povo de Deus congelou.
Assim,
a idéia pagã de um orador profissional treinado para proferir discursos ou
sermões mediante pagamento passou diretamente ao sangue do cristianismo. Note
que o conceito de “mestre especialista assalariado” não veio do Judaísmo. Veio
da Grécia. Era costume dos rabinos judaicos dedicar-se a um trabalho ou
profissão para não ter que cobrar pelos seus ensinamentos. Estes ex-oradores
pagãos (agora cristãos) começaram a utilizar integralmente suas destrezas oratórias
para fins cristãos. Eles se sentiam em seu cargo oficial e expondo o sagrado texto bíblico, como um sofista
ao proferir uma exegese do texto quase sagrado de Homero...” Se você comparar um sermão pagão do século III
com um proferido pelos pais da igreja, você encontrará a estrutura e a
fraseologia de ambos bem similares. Então, um novo estilo de comunicação passou
a tomar forma na igreja cristã, um estilo marcado por uma polida retórica, uma
gramática sofisticada, uma eloqüência descritiva, e um monólogo. Era um estilo
desenhado para entreter e chamar a atenção sobre a destreza oratória do orador.
Era a retórica greco-romana.
Já
no século III, os cristãos passaram a descrever seus sermões como homilias, o
mesmo termo usado pelos oradores gregos ao fazerem seus discursos. Hoje, os seminaristas fazem um curso chamado
homilética para aprender a pregar. A homilética é considerada uma “ciência que
aplica as regras da retórica, tal qual na Grécia e Roma, onde teve origem”. Em
outras palavras, nem a homilia (sermões) nem a homilética (a arte de pregar o sermão)
tem origem cristã. Foram roubadas dos pagãos. Uma corrente contaminada se
misturou com a fé cristã e envenenou suas águas. Essa corrente flui tão
fortemente hoje como no século IV.
Como
a Prédica do Sermão degrada a Igreja.
Embora
venerado por cinco séculos, o sermão convencional tem contribuído das mais
variadas formas para a degradação da igreja.
ü Primeiramente,
o sermão faz com que o pregador seja uma virtuose artística do culto eclesiástico.
Como resultado, a participação da congregação fica obstaculizada (na melhor
hipótese) e excluída (na pior hipótese). O sermão transforma a igreja em um
auditório. A congregação degenera em um grupo de espectadores apagados presenciando
um evento. Não há espaço para interromper ou questionar o pregador enquanto ele
profere seu discurso. O sermão congela e trava o funcionamento do Corpo de
Cristo. O sermão promove um sacerdócio dócil por permitir que os homens do
púlpito com suas mãos agitadas dominem a reunião da igreja semana após semana.
ü Em
segundo lugar, o sermão estanca o crescimento espiritual. Pelo fato de ser uma
estrada de uma só mão, o sermão embota a curiosidade e produz passividade. O
sermão debilita a igreja no que toca ao seu funcionamento. O sermão sufoca o
mútuo ministério. Abafa a participação aberta. Estanca o crescimento espiritual
do povo de Deus. Como cristãos, necessitamos funcionar, exercitar, caminhar
para poder crescer. Podemos crescer
sentados como uma estátua de sal ouvindo um homem pregar de lá de cima do
púlpito semana após semana? De fato, uma das metas do estilo da pregação e
ensino do NT é incentivar você a funcionar. Isto encoraja você a falar na reunião da
igreja. O sermão convencional obstaculiza este processo.
ü Em
terceiro lugar, o sermão conserva a mentalidade do clero antibíblico. Cria uma
excessiva e patológica dependência do clero. O sermão faz do pregador um
especialista em religião, o único quetem algo de valor a compartilhar. Trata
todos os demais como cristãos de segunda categoria, como esquentadores de banco
(Embora isso não expresse o geral, é a realidade). Como pode o pastor aprender
dos demais membros do Corpo de Cristo quando eles estão mudos? Como pode a
igreja aprender do pastor quando seus membros não podem fazer perguntas durante
sua prédica? Como podem os irmãos e
irmãs aprenderem uns dos outros se eles estão amordaçados e não podem falar nas
reuniões? O sermão torna a “igreja” distante e impessoal. O sermão priva o pastor de receber o sustento
espiritual da igreja. O sermão priva a igreja de receber nutriente espiritual
mútuo. Por estas razões, o sermão é uma das maiores barricadas que impedem o
sacerdócio funcional!
ü Em
quarto lugar, em vez de equipar os santos, o sermão remove suas habilidades.
Não importa quão forte e extensamente o ministro fale acerca de “equipar os
santos para a obra do ministério”, a verdade é que a pregação de sermões não
equipa ninguém para o serviço espiritual. Na realidade, o povo de Deus
acostumou-se tanto a ouvir sermões que os pastores acostumaram-se a pregá-los.
(Sei que alguns cristãos não gostam de pregações a cada semana, mas parece que
a maioria as desfruta). Em contraste com
a pregação, o ensinamento do estilo neotestamentário equipa a igreja para que
funcione sem a presença do clero.
ü Em
quinto lugar, o moderno sermão é totalmente contraproducente. A maioria dos
pregadores é especialista em coisas que nunca experimentou. Por ser abstrato e
teórico, piedoso e inspirador, demandante e obrigatório, entretido e ruidoso, o
sermão não coloca os ouvintes em uma experiência direta e prática daquilo que é
pregado. Assim, pois, o sermão típico é uma lição de natação em terra seca!
Falta todo valor prático. Prega-se muito no ar, mas ninguém aterriza. A maioria
das pregações é dirigida ao lóbulo frontal. A moderna pregação do púlpito falha
em ir além da mera disseminação de informações sobre equipar crentes a
experimentar e utilizar aquilo que escutam. O sermão reflete seu verdadeiro pai
— a retórica greco-romana. A retórica greco-romana estava mergulhada em
abstrações. Esta “envolvia formulas
desenhadas para entreter e revelar o artista orador em vez de instruir ou desenvolver
talentos em outras pessoas”. O moderno sermão polido pode acalentar o coração,
inspirar a vontade e estimular a mente. Mas raramente, ou nunca, indica como se
retirar da conferencia! De qualquer forma, o sermão não promove crescimento
espiritual. Mais que isso, ele agrava o empobrecimento da igreja. Os sermões
atuam como um mero e momentâneo estimulante. Seus efeitos são extremamente
efêmeros. Sejamos honestos. Há multidões de cristãos sendo “sermonizados” há
décadas, todavia, continuam na condição de bebês em Cristo. Nós cristãos não somos transformados por
escutar sermões. Somos transformados por um encontro regular com o Senhor Jesus
Cristo. Os que ministram, portanto, são chamados a assegurar que seu ministério
seja intensamente prático. São chamados não apenas para revelar a Cristo, mas
para mostrar a seus ouvintes como experimentá-lo, conhecê-lo, segui-lo e
servi-lo.´
Se
um pregador não consegue levar seus ouvintes àquela experiência viva e
espiritual que ministra, os resultados da mensagem serão efêmeros. Portanto, a
igreja necessita menos gente no púlpito e mais facilitador espiritual. Há uma
necessidade urgente de pessoas proclamando Cristo e sabendo como levar o povo
de Deus a experimentar esse mesmo Cristo proclamado. Necessitamos restaurar a prática
do século I da exortação mútua e do ministério mútuo. No NT, a transformação
espiritual depende destas duas coisas. Naturalmente, o dom do ensino está
presente na igreja. Mas o ensino deve fluir de todos os crentes tanto quanto
flui dos que
possuem dons especiais para ensinar. Nós
deixamos a Bíblia de lado quando permitimos
que o ensino tome a forma de um sermão convencional e o relegamos a uma classe
de oradores profissionais.
Concluindo
O
sermão do púlpito não é o equivalente à pregação encontrada nas Escrituras. A prática do sermão não é encontrada no
Judaísmo do AT. Não é encontrada no ministério de Jesus, nem na vida da Igreja
Primitiva. Além disso, Paulo disse aos
gregos convertidos que ele próprio recusou ser influenciado pelas formas de
comunicação utilizadas pelos pagãos de seu tempo. O sermão é uma “vaca sagrada” concebida no
ventre da retórica grega. Nasceu na comunidade cristã quando os ex-pagãos
(agora cristãos) começaram a levar seus estilos de oratória para a igreja. No
século III era comum o líder cristão proferir sermões. No século IV virou
norma. O cristianismo absorveu sua
cultura circundante. Quando o pastor
sobe ao púlpito exibindo sua veste clerical e proferindo seu sermão sagrado,
ele exerce o papel do antigo orador grego. Todavia, apesar do fato do sermão não
possuir nenhum mérito de fragmento bíblico que justifique sua existência, este
continua sendo admirado e isento de crítica nos olhos da maioria dos cristãos
modernos. O sermão entrincheirou-se de tal forma na mente cristã que a maioria
dos pastores e “leigos” que crêem na Bíblia falham em ver que por pura tradição
afirmam e perpetuam uma prática antibíblica. O sermão chegou a ser
permanentemente embutido em uma estrutura organizacional complicada, bem longe
da vida eclesiástica do século I. Diante
de tudo que descobrimos sobre o sermão moderno, considere estas questões
penetrantes: Como pode um homem pregar um sermão sobre “ser fiel à Palavra de
Deus” se a prática do sermão não é bíblica? Como pode um cristão sentar-se
passivamente em um banco de igreja e passivamente afirmar o sacerdócio de todos
os crentes desse mesmo banco? Para personalizar um pouco mais. Como é que você,
querido cristão, pode pretender defender a doutrina protestante de base
puramente bíblica ao mesmo tempo em que apóia o sermão do púlpito? Como disse
eloqüentemente certo autor, “o sermão é inquestionável em termos práticos.
Passou a ser um fim em si mesmo, sagrado, subproduto de uma reverência
distorcida pela tradição dos anciãos...”. Parece estranhamente
inconsistente que aqueles que estão mais dispostos a defender a Bíblia como a
Palavra de Deus, “supremo guia em todos assuntos de fé e prática” se encontrem entre
os primeiros a rechaçar os métodos bíblicos em favor das “cisternas quebradas”
de seus pais (Jeremias 2:13). Em outras palavras, não há espaço no curral da
igreja para vacas sagradas como o sermão!